segunda-feira, 2 de junho de 2014

VoAR


De repente o ponteiro enlouqueceu
No meu corpo, na minha mente
Incorporo o tempo
E nada me ocorre
Mas tudo me corre
Como quem olhou
Quis gravar e esqueceu


Das horas quem continham minutos
Dos segundos que compunham fragmentos de hora
Tudo mecanicamente se inverteu


Tento respirar nos minutos do meu dia
Sonhando com o ar das horas passadas
Agarro-me ao ponteiro
Para não rodar a vida
Em milhões de minutos de asfixia


Não paro a engrenagem
Eu mudo a bateria
Dou corda infinita
Giro, giro, giro...

Sou cuco maluco
Faço o tempo passar, mas não queria
Eu ordeno e faço correr os minutos
Pelos dedos do dia

Sou movimento circular que não volta
Midas que transforma em passado o que toca
Pássaro que engole futuros
Sou o imponderável, o impuro
A projeção inalcançável


Maratonista com artrose em busca do fim vencedor
Que marcha para o dia seguinte
Corrida insana, mente desalmada, sina desumana
Corpo doente que padece à dor


Tempo enfermo
Que anda a mente, o corpo e a alma a ermo
Gangorra escorregadia
Das horas para os minutos
Da vida para os fragmentos do dia

Como me segurar
Quando for lançada como pedra a quicar
Nos ponteiros dos segundos?

 
Como ser infinita e passageira?
De que forma, de que maneira
Tornar-me cuco a cantar sinfonia?

Mato o tempo e o tempo me morre
Eu me falto tempo, me farto, me enfarto
Me furto  alentos
Há tempo , há tempos?

Quebro a ampulheta
Misturo cacos de vidro e poeira
O vento é ar que corre
Bagunça na sua pressa os grãos de areia
O sopro espalha o tempo que retorna à vida a voar
Pequeno, desordenado, invisível e lento

Voa vida
Que o tempo assopra assombros
edifica escombros
e não irá parar

Voa vida
Pra longe da ampulheta,
Do cronômetro,
Do sino a tocar

Voa vida
e leva a partícula de poeira
o pó de vidro
o grão de areia

Voa vida
levando-me minúscula
mas inteira