De repente o ponteiro enlouqueceu
No meu corpo, na minha menteIncorporo o tempo
E nada me ocorre
Mas tudo me corre
Como quem olhou
Quis gravar e esqueceu
Das horas quem continham minutos
Dos segundos que compunham fragmentos de horaTudo mecanicamente se inverteu
Tento respirar nos minutos do meu dia
Sonhando com o ar das horas passadasAgarro-me ao ponteiro
Para não rodar a vida
Em milhões de minutos de asfixia
Não paro a engrenagem
Eu mudo a bateria Dou corda infinita
Giro, giro, giro...
Sou cuco maluco
Faço o tempo passar, mas não queriaEu ordeno e faço correr os minutos
Pelos dedos do dia
Sou movimento circular que não volta
Midas que transforma em passado o que tocaPássaro que engole futuros
Sou o imponderável, o impuro
A projeção inalcançável
Maratonista com artrose em busca do fim vencedor
Que marcha para o dia seguinteCorrida insana, mente desalmada, sina desumana
Corpo doente que padece à dor
Tempo enfermo
Que anda a mente, o corpo e a alma a ermoGangorra escorregadia
Das horas para os minutos
Da vida para os fragmentos do dia
Como me segurar
Quando for lançada como pedra a quicar Nos ponteiros dos segundos?
Como ser infinita e passageira?
De que forma, de que maneiraTornar-me cuco a cantar sinfonia?
Mato o tempo e o tempo me morre
Eu me falto tempo, me farto, me enfarto
Me furto alentos
Há tempo , há tempos?
Quebro a ampulheta
Misturo cacos de vidro e poeiraO vento é ar que corre
Bagunça na sua pressa os grãos de areia
O sopro espalha o tempo que retorna à vida a voar
Pequeno, desordenado, invisível e lento
Voa vida
Que o tempo assopra assombros
edifica escombros
e não irá parar
Voa vida
Pra longe da ampulheta,
Do cronômetro,
Do sino a tocar
Voa vida
e leva a partícula de poeira
o pó de vidro
o grão de areia
Voa vida
levando-me minúscula
mas inteira
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