domingo, 26 de outubro de 2014

Dê lírios


 
    



Dê lírios                                                           

Te dei lírios
Dei liras também
Dei lirei
Dê lerás?

Ou  de leterás?
Darás letra?
Dê leite
De lei
Te dei
Leituras
Dei -me a ti
Amamentei-te
Amei tua mente
Teu ente
Dês peço
Peço que dês
Dês pida
Dei a ti
Essência
Dê essência
Deite
Dei-te
Dê morando
More em mim
Alimente
Dê-me o que sente
De repente
Dormirei
Mirando a ti
Teu leito

De rio
De leite
Teu cheiro de lírio
Dormirei
Te mente
Mentes a ti
De tudo
Tentes
Dê mentira
Dê verás
De ver
Dentes
Sol ri dentes
Dou entes
Eu dei
Dê também
Dê lírios

terça-feira, 23 de setembro de 2014

Catarata


Não deixarei que encantes

Os meus olhos folguedos

Que nada ao teu olhar inflame       

 

Não deixarei de canto

Os teus olhos falsários

Nada ao meu olhar informam

 

Não deixarei que cantes

O meus olhos falsetes

Com seu olhar soprano

 

Não ouvirei o conto

Dos teus olhos faltantes
 
Para meu olhar infante
 

Nunca haverá encontro

Dos teus olhos foguetes

Com meu olhar luar

 

Nada que tua retina seca

Mira ou molha ao me olhar

Seu olho a bailar insano

Sem som, sem foco, sem estar

Nada enfoca, nada vê

Nada enfarta, nada crê

Nada, nada, nada

Água, água, água

Água de olho é lágrima

Lágrima turva o olhar

Não deixarei que encontres

Lágrima, água, retina, luar

Olho que nada crê

Nada projeta pra fora

Nada projeto vigora

Alucinação

Anunciação

Tudo olha

Nada vê

 

 

terça-feira, 9 de setembro de 2014

Egoisticamente


O dia em que me fui de mim
Esqueci-me endereço próprio
Fechei a chave dentro e tranquei-me
Acenei-me e estranhei-me
Da janela me vi a distanciar-me
Sem me olhar para trás sentia que via sumir-me
Diluir-me numa multidão de eus que não me distinguiam
Deixei-me para sempre trancada em mim
Nunca mais passei e me vi, na minha janela em que me mirava
Andava a deriva, derivando-me em cada eu mesmo
No dia que me fui de mim, deixei-me só comigo
Fui egoísta e saí sem pensar em mim, que ensimesmada morreria
Sozinha, reclusa e ausente de mim que saíra para libertar-me
Talvez quisera matar-me, abstendo-me da minha presença que me fiz questão de esquecer-me
Eu corria e zombava dos eus que via, todos tão autolocalizados
Olhavam-me na janela e acenavam-me, logo os eus que eu desprezava-me
Preferia andar-me sem endereço próprio
Sem me endereçar caminhava por vias de mim mesma
Eu estava presa, estava longe de mim, vagando-me apartamento
Apartando-me fui de mim a toda hora
Desprezando-me de dentro e vagando-me de fora
 
 


 

 

domingo, 24 de agosto de 2014

EsCUtológico

Comeu o prato que cuspiu
Cuspiu o que comeu no prato
No prato, cuspiu e comeu
Comeu cuspe no prato
Cuspiu o prato que comeu
Comeu e cuspiu o prato
O prato cuspido no prato que comeu
Come cuspe e comeu no prato
Prato cospe comida
Cuspiu e comeu o prato cuspido
Comeu comida no prato e cuspiu
Comida no prato que cuspiu
Cuspiu no cu e o comeu no prato
Comeu o prato no cu cuspido
Comeu o cu no prato e cuspiu
Cuspiu o cu no prato que comeu
No prato comeu cuspe do cu
Cu comido no prato cospe
Cuspiu no prato que comeu com o cu
Comeu no prato e cuspiu o cu na comida
Cuspiu o prato no cu e comeu com cuspe
No cu comeu o prato cuspido
EsCutológico
 
 

sábado, 9 de agosto de 2014

BOI VERDE


Um boi verde
Pasmado
Um boi pasto
Um boi pesto
Um boi peste
Um boi verde
Estranho e estranhado
Um boi verde
Tolerante e tolerado
Na boiada caminha
Olha perplexo
Os bois brancos, pretos
Marrons e malhados
O boi boia
O boi olha
As imagens e não vê seu reflexo
O boiola
O boi chora
Mas não pisca
Mas não pasta
O boi na pista
Não amadura
O boi armadura
O boi vegetariano
O boi churrasco
O boi tempero baiano
O boi tempo
O boi vento
O boi sempre atrasado
O boi lento
O boi leitor
O boi toque
O boi entorpecido
O boi utopia
O boi empatia
Boi antipático
Boi patético
Parassintético
O boi paraplégico
O boi verde
Mais uma cabeça na boiada
O boi vê mas não enxerga nada
O boi daltônico
O boi Dante
O boi com peso de elefante
E alma de borboleta
O boi bucho
O boi hetéro
O boi bicha
O boi bi
O bobinho
Óbolo
O boi duende
O boi doente
O boi anormal
O boi excêntrico
O boi azeitona
Exprimido até seu azeite
Óh boi , aceite
A vida no curral
Olhe a boiada
Olhe para cada boi normal
Olhe até que a vida de boi
Lhe seja natural
Boi verde natureza
Preserve o verde
Óh boi fecundo
Teu curral é teu mundo
O boi que envelhece
O boi sêmen
O boi semente
O boi muge
O boi mente
O boi foge
O boi urge
Boi demente
Boi que fode
Boi meu
Boi eu
Boi verde, mas boi
Bom ver-te
Mas foi
Verdade
Vim dizer-te
Que agora é tarde
Amanhã é o abate
Mas como matar
O boi abacate?
Será que ele contamina?
Será que têm vitamina?
Será sagrado?
Estará sangrando?
Óh boi, verde
Viva a vida de boi
Que serás tolerando
Que serás notícia
Que serás adorado
Por toda peste da febre bovina
Tu serás culpado
Até que acorde boi escritório
Boi do bom sustento
Pai do bezerro
Do teu rebento
Com a vaca amarela
Que sempre pulou a janela
E não te deixou falar
Ela não sabe quem és tu
Tu não sabes quem é ela
Mas formam uma patota
Uma família de gado patriota
Verde, amarelo e bezerro
Boi do que nunca foi
Do desterro
Com o vácuo preenchido com capim
Tanto boi em você
Tanto boi em mim
Nosso boi pasto, pesto, peste
Nosso boi ocupado
Nosso boi desgarrado
Nosso boi sustento
Nosso boi suspeito, violento
Nosso boi curado
Boi de bons modos
Boi mudo, currado
Finalmente boi curral
Boi de cu igual
Quadrado
Cabeça de gado
Mas verde...
De boicotar
De boi voar
Boi voa?
Mas é boi verde!
Verde
Verdinho
Verdura
Ver dói
Não ver não cura
O boi verde
Voou
E assim foi
Ninguém
Nem boiada
Nem abatedouro
Nem vaca
Nem vida
Nem o boi
Nem nada
O amadurou
O boi verde
Esperança esperada
Verde ficou


(Foto: Nadav Bagim (AimishBoy)/ www.aimishboy.com/BBC)

segunda-feira, 28 de julho de 2014

Ditos reescritos


Quem não chora
Não ama


Deus ajuda
Mas depois julga

Quem tudo quer
Nada escolhe


Água morna
À pedra jura
Tanto faz
O tempo que dura

 
Um dia reaça
No outro um ditador

 
Em um dia passa
No outro renova a dor

 
Para bom entendedor
Meia palavra falta

Para bom criador
Meia palavra sobra

Para bom enganador
Meia palavra diz

Para bom poeta
Meia palavra
é poesia concreta

 
Que meu fino beijo
Sua boca adoçe

 
Águas passadas
Não movem futuros


Uma andarilha só
Não faz
Passeata


Tudo que não marca
Engoda

 
Mudam-se os tempos
Surgem as tempestades

Mudam-se as crenças
Mudam-se as divindades

 
Não há mal que o tempo não dure
 
Não há verde que o tempo não madure
 
 
Quem semeia intentos
Coleciona vontades


domingo, 20 de julho de 2014

SORTIDA


 
Perguntei a sorte
Qual caminho me leva ao meu norte?

A sorte é como um vento

Uma brisa que se esconde

Quando passa é um respiro

Quando a aspiro ela me responde
Não há norte, nem sorte, nem vento

Nada corre em ti

Tudo passa forte e lento

Não há onde, nem por que
Vá pelo caminho e ande

O trajeto não te retrai

A distância te expande
Tudo que de brisa há

De sorte, norte, sul ou azar
Tudo que nasce pra perecer

Amor, ódio, medo, compaixão
Todo o caminho e toda direção

Tudo é você

segunda-feira, 2 de junho de 2014

VoAR


De repente o ponteiro enlouqueceu
No meu corpo, na minha mente
Incorporo o tempo
E nada me ocorre
Mas tudo me corre
Como quem olhou
Quis gravar e esqueceu


Das horas quem continham minutos
Dos segundos que compunham fragmentos de hora
Tudo mecanicamente se inverteu


Tento respirar nos minutos do meu dia
Sonhando com o ar das horas passadas
Agarro-me ao ponteiro
Para não rodar a vida
Em milhões de minutos de asfixia


Não paro a engrenagem
Eu mudo a bateria
Dou corda infinita
Giro, giro, giro...

Sou cuco maluco
Faço o tempo passar, mas não queria
Eu ordeno e faço correr os minutos
Pelos dedos do dia

Sou movimento circular que não volta
Midas que transforma em passado o que toca
Pássaro que engole futuros
Sou o imponderável, o impuro
A projeção inalcançável


Maratonista com artrose em busca do fim vencedor
Que marcha para o dia seguinte
Corrida insana, mente desalmada, sina desumana
Corpo doente que padece à dor


Tempo enfermo
Que anda a mente, o corpo e a alma a ermo
Gangorra escorregadia
Das horas para os minutos
Da vida para os fragmentos do dia

Como me segurar
Quando for lançada como pedra a quicar
Nos ponteiros dos segundos?

 
Como ser infinita e passageira?
De que forma, de que maneira
Tornar-me cuco a cantar sinfonia?

Mato o tempo e o tempo me morre
Eu me falto tempo, me farto, me enfarto
Me furto  alentos
Há tempo , há tempos?

Quebro a ampulheta
Misturo cacos de vidro e poeira
O vento é ar que corre
Bagunça na sua pressa os grãos de areia
O sopro espalha o tempo que retorna à vida a voar
Pequeno, desordenado, invisível e lento

Voa vida
Que o tempo assopra assombros
edifica escombros
e não irá parar

Voa vida
Pra longe da ampulheta,
Do cronômetro,
Do sino a tocar

Voa vida
e leva a partícula de poeira
o pó de vidro
o grão de areia

Voa vida
levando-me minúscula
mas inteira




sexta-feira, 23 de maio de 2014

Caracol

O que me olha de dentro
Me vê marginal
Sem centro

Quem me olha para o centro
Me vê fetal
Rebento 

O que da margem me olha
Não vê que rebento
De dentro pra fora
E de fora para dentro

O que arrebenta agora
Não me vê a contento

Que já fui embora
Agora
Me fui
Vambora 

Embora de dentro
 O centro me olha

Escondo o que sobra
Quem vê o que sobra
Não sabe o que era

Marginal, centro, feto, rebento
Entro para dentro
E fecho a janela
Não existe de fora
Nem margem, nem centro
Nem olho que olha

 https://soundcloud.com/ludmilaoze/caracol

domingo, 13 de abril de 2014

Ser(e)no Sol




Eu só fui e serei além de ser o que sou sim
Ser além que fui, eu sou o que serei
Sim, eu só serei além de ser que fui
Eu fui além de ser só
Só fui além de ser que sou
Além de ser, fui sim, só que sou só
Ser além do que serei
Sim, fui além
Além sou
Ser sim
Sua
Serenei sol
Sol sua
Sim

Ilustração:  Alex Andreyev